A história das Mulheres na Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM) reflete a evolução e as transformações que, ao longo dos tempos, se verificaram na sociedade e no mundo. Sendo resultado da fusão da fusão de dois dos mais antigos estabelecimentos industriais do País, a Imprensa Nacional, criada em 1768, e a Casa da Moeda, com mais de 700 anos de história, só na 2.ª metade do século XIX se regista a entrada das primeiras mulheres num universo laboral fabril, até então, exclusivamente masculino.
A primeira mulher admitida na Imprensa Nacional, Eugénia Salustiana, iniciou funções no dia 25 de fevereiro de 1857, tornando-se aprendiz da oficina de Galvanoplastia, Estereotipia e Fundição Mecânica. A 14 de março do mesmo ano, com a contratação da segunda trabalhadora, para permitir o enquadramento de mulheres na área fabril, foi criada a área designada «Roçar e Rebarbar», onde, no final do ano, laboravam 11 operárias, em contrapartida a 196 trabalhadores homens.
Até à viragem do século, o número significativo de admissões na Imprensa Nacional foi quase exclusivamente masculino.
Na Casa da Moeda, a 1 de junho de 1895, uma jovem de 15 anos de idade, de seu nome Etelvina Adelaide da Conceição Silva, foi a primeira mulher admitida. Como era prática à época, as admissões eram sugeridas por um abonador, que foi, na altura, o encarregado da oficina da Gomagem, António Mathias da Silva, seu pai.
Esta jovem trabalhadora, que iniciou funções na Oficina da «Escolha», a partir de 3 de junho, veio a auferir inicialmente um salário de 200 reis, valor inferior ao dos seus colegas homens.
No ano de 1898, no mês de julho, assistiu-se à entrada de 18 mulheres. A necessidade destas admissões correspondeu ao período em que não ocorreu emissão de moeda, originando então a impressão extraordinária de cédulas em sua substituição.
A contratação de mulheres num universo eminentemente masculino foi, naquela época, um ato progressista e marcou uma viragem nos serviços da Casa da Moeda e Papel Selado.
O Advento da República
O século XX em Portugal foi marcado por momentos de rutura, com reflexo nas condições de trabalho nas duas fábricas. Entre eles, a Implantação da República, em 1910, e a Revolução de Abril, em 1974.
Logo em 1911 procedeu-se à reforma dos «Serviços da Casa da Moeda e Papel Selado e Contrastaria», onde, num universo de 208 trabalhadores, foi previsto, expressamente, que um total de 24 mulheres fariam parte integrante dos quadros para exercer funções no «Armazém do Selo».
A República trouxe também novas regras nos processos de admissão dos trabalhadores e trabalhadoras, mais consentâneos com os princípios da transparência e da igualdade de oportunidades. É assim que, a 10 de abril de 1916, são admitidas as primeiras três mulheres através de concurso público.
Na imprensa Nacional, independentemente da mudança política operada, já se manifestavam claras preocupações com a melhoria das condições de trabalho, pela existência de uma Comissão de Melhoramento do Pessoal.
A 15 de maio de 1910, esta Comissão emite um parecer «para futuras regulamentações dos Serviços», alertando para a desigualdade relativa das ajudantes de roçadoras, para quem solicitam equiparação aos aprendizes em caso de doença. Apesar dessas preocupações, os salários das mulheres correspondiam a cerca de 65% dos salários dos homens, exercendo as mesmas funções. No final deste ano, trabalhavam na Imprensa Nacional de Lisboa 401 homens e 22 mulheres em funções fabris.
Da 1.ª República ao Estado Novo, na área fabril da Casa da Moeda, as faltas ou férias das operárias eram registadas em documentos diferenciados pelo género, mesmo que desempenhassem funções idênticas às dos seus colegas do sexo masculino. Em 1933 trabalhavam nesta área 162 operários e 28 operárias, enquadrados por 12 chefes, todos homens. Somente na segunda metade da década de 40 é que as folhas de férias passam a incluir mulheres e homens no mesmo mapa.
As lutas e o sonho da Democracia
Sem alterações significativas no decurso do Estado Novo, o ano de 1972 foi marcante para a vida destes dois estabelecimentos do Estado. Pelo Decreto-Lei n.º 225/72, de 4 de julho, operou-se a fusão da Imprensa Nacional com a Casa da Moeda, passando a existir uma única empresa, tal como se mantém até aos nossos dias.
Marcante foi também o ano de 1974 e a Revolução de Abril, introduzindo grandes mudanças na sociedade portuguesa, que rapidamente se refletiram na INCM. Nesse mesmo ano foi criada a primeira comissão de trabalhadores, antes mesmo da publicação da lei que as regulamentou. Embora nesta primeira comissão não participassem mulheres, estas foram sendo eleitas gradualmente para esse órgão, situação que se mantém até aos dias de hoje.
O início do período democrático permitiu também a reintegração de trabalhadores e de trabalhadoras que se tinham destacado nas lutas política e laboral. Foi o caso da trabalhadora Berta do Carmo Carvalho, que havia sido afastada após ter sido presa pela PIDE, devido à sua ligação ao Partido Comunista Português, e que, após a sua reintegração na INCM, em 1974, entregou o seu primeiro ordenado «de funcionária readmitida como homenagem ao Movimento das Forças Armadas que libertou o País».
Maria José da Costa Lopes, a primeira diretora
Em 1978, surge a primeira mulher a assumir um cargo de direção na empresa, Maria José da Costa Lopes, que permaneceu na INCM até 1990.
A década de 80 foi igualmente marcada por grandes alterações: entrou em vigor o primeiro Acordo da Empresa, o Regulamento dos Serviços Sociais, bem como as restantes alterações ocorridas na legislação laboral, que aqui se refletiram, todas com consequências diretas na igualdade de género, pela consignação de condições idênticas de caráter laboral, social e salarial para os trabalhadores e trabalhadoras da empresa.
Nos anos de 1990, continua a ser superior o número de trabalhadores do sexo masculino, mas, no âmbito das admissões, a diferença começa a esbater-se. No final desta década as habilitações literárias das mulheres eram já mais elevadas, nos ensinos secundário e superior, acompanhando a tendência nacional.
Um longo caminho para a paridade
Já no século XXI, a INCM incorpora definitivamente o respeito pelos princípios da Igualdade e Não Discriminação nos seus Valores, assumindo também os princípios da Responsabilidade Social e da Sustentabilidade. A empresa adere, como membro fundador, ao IGEN – Fórum Empresas para a Igualdade, elabora o Plano para a Igualdade de Género e cria o Comité da Igualdade.
Atualmente, existe uma representatividade quase paritária entre géneros na INCM, com 47% de mulheres e 53% de homens (338 trabalhadoras e 387 trabalhadores em dezembro de 2023). Esta paridade mantém-se quando se olha para as funções desempenhadas em cargos dirigentes ou de chefia, ocupados por 52% de homens e 48% de mulheres. No que respeita à remuneração média, as diferenças salariais são hoje meramente residuais e não decorrem da diferença de género, mas resultam, em concreto, da menor representatividade global das mulheres no universo da INCM.
Dora Moita, a primeira mulher a presidir o Conselho de Administração
Importa ainda salientar que, em 2023, Dora Moita tornou-se a primeira mulher a assumir o cargo de Presidente do Conselho de Administração da INCM, assumindo agora, no feminino, a liderança de uma instituição com mais de 700 anos de história onde trabalham mais de 700 pessoas.
Tradicionalmente e historicamente, a atividade caracterizada pela indústria tem estado associada ao género masculino. No entanto, a INCM tem vindo a contribuir para alterar essa tendência, promovendo a sua inversão, existindo hoje um equilíbrio, no seu quadro de pessoal, entre o número de homens e o número de mulheres.